Water Walk, uma ode ao corpo do imigrante, é um corpo de trabalho de Jessica Fertonani Cooke, que apresenta uma video instalação, 9 entrevistas e um video documentário sobre o território do deserto de Sonora, e a fronteira polítcia entre o Arizona, EUA e Sonora, México. Este contexto político apreende toda a vida ali presente, que para além dos imigrantes, afeta diretamente a vida dos moradores das reservas indígenas locais, como as dos Tohono O'odham, com os quais a artista trabalhou proximamente. 
A exposição tem como intuito expandir a noção de fronteira pensando para além da política e no que o 'atravessador de fronteira' precisa viver para chegar do outro lado. 
Esta figura simboliza extremo sacrifício e coragem na busca pela vida e pela urgência de novas possibilidade. Neste sentido, o atravessador de fronteiras é a ponte entre alianças políticas impossíveis, entre o mundo concreto e espiritual, entre o pragmático e o simbólico e entre as próprias barreiras internas da psique de um indivíduo. O imigrante que atravessa a fronteira EUA/México, ‘rompe’ a fronteira entre 2 países extremamente diferentes aproximando-os. Este é um ato político extremamente concreto, com consequências culturais e espirituais imediatas. Jessica Fertonani Cooke as explora como revoluções políticas locais, autoras de mitologias contemporâneas à cada barreira que cai. 
Texto crítico por Marcio Harum
Jessica Fertonani Cooke é uma artista que trabalha no campo expandido da performance, com instalações, videos e pinturas. É através da sua vivência nos Estados Unidos enquanto mulher brasileira que seu trabalho passa a englobar o corpo e territórios de fronteiras políticas e espirituais. Ao Problematizar os epistemicídios, a expropriação, e o extrativismo desenfreado, Fertonani Cooke trabalha na  intersecção entre arte e ativismo. Obteve Bacharelado em artes visuais na Universität der Künste (Berlim, Alemanha), orientada por Mark Lammert, e Mestrado no San Francisco Art Institute, (São Francisco, EUA). e mediou horizontalmente diversos projetos colaborativos com comunidades, tais como os Tohono O’odham, os Guarani e imigrantes mexicanos vivendo nos EUA.


“Viver neste deserto, é como viver no mar. A fronteira entre Sonora e oArizona é um grupo de ilhas fantasmais ou encantadas. As cidades e ospovoados são barcos. O deserto é um mar interminável. É um bom lugarpara os peixes, principalmente para os peixes que vivem nas fossas maisprofundas, não para os homens.”
(Roberto Bolaño; 2666, 2004)
Em dezembro de 2019, como preâmbulo à Water Walk - uma ode ao corpoimigrante, uma semana antes das gravações, Jessica convidou ErnestoMoristo e Dennis Manuel para uma conversa acerca de território sob aperspectiva do povo Tohono O'odham, que habita uma área coberta porquase 3.000 acres de terra. Sua nação originalmente se estende entre odeserto de Sonora no sudoeste do Arizona (EUA) e norte de Sonora(México). Evidências arqueológicas apontam que estão vivendo a pelomenos 10.000 anos na região. Durante o encontro, puderam partilharpreceitos do 'O'odham Himdag', um conjunto de valores culturais deevocação à espiritualidade (preparo do sal, agricultura, medicina, cura emúsica tradicionais), passado de geração a geração, constituindo-sebasicamente de aspectos voltados ao respeito pela terra, às pessoas maisvelhas, ao trabalho duro em coletividade e a partilha do que se obtém najornada. Deste ponto de inflexão começa a se delinear no Arizona comErnie e Dennis, o documentário Me Corra de volta ao Mar. O povo TohonoO'odham vivencia a realidade de ser uma mesma grande família divididaentre as fronteiras de 2 países. São constantemente vigiados pela guardade segurança nacional por satélites e tráfego aéreo de helicópteros.
A infiltração de estado por causa do combate à imigração ilegal é enorme.Como por lei federal é proibido oferecer comida e água aos imigrantes, oshabitantes do território tem seus víveres e pertences furtados comfrequência pelos passantes. Não obstante, entre a população T.O. hánumerosos relatos de casos de assassinatos, assédios, atropelamentos,roubos de objetos ancestrais e racismo praticados por parte da patrulhada fronteira, aonde nenhuma investigação jamais foi resolvida oureconhecida até os dias de hoje. É a partir do encadeamento desta grandenarrativa indígena norte-americana que Dora dá o testemunho de sua vidae quase morte ao completar, depois de outras tentativas, a travessia dafronteira EUA - México em 1980. Esta é a preparação de espírito para aprocissão, a jornada de cura em grupo de Water Walk - uma ode ao corpoimigrante. 
Water Walk - uma ode ao corpo imigrante é sobre imigração e seusaspectos de luta pela sobrevivência na fronteira EUA / México: tráficohumano, prisão, deportação, asilo para refugiados econômicos, da crisedo clima gerado por desequilíbrios ecológicos, de guerras e conflitossociais causados pela violência urbana. Um libelo border abolishment(anti-fronteira) concebido como caminhada em procissão pelo leito secode um rio - uma homenagem às pessoas que tentam cruzar a fronteira epadecem de sede centenas de vezes anualmente durante o trajeto. 
A exposição trata de nos sensibilizar acerca das implicações ambientaisdo território, já que o colapso do clima ocasionado pela indústria,militarismo e habitação fez com que a água na região fosse diminuída ematé 40% nos últimos tempos. Através da performance, o trabalho tomaforma de corpo político coletivo adentrando múltiplas comunidades, ondea conciliação é irreconciliável, e o incontornável é o espaço da cura detraumas, do milagre e da magia. Ao transformar a síntese do tema em umdebate 
Water Walk - uma ode ao corpo imigrante é sobre imigração e seusaspectos de luta pela sobrevivência na fronteira EUA / México: tráficohumano, prisão, deportação, asilo para refugiados econômicos, da crisedo clima gerado por desequilíbrios ecológicos, de guerras e conflitossociais causados pela violência urbana. Um libelo border abolishment(anti-fronteira) concebido como caminhada em procissão pelo leito secode um rio - uma homenagem às pessoas que tentam cruzar a fronteira epadecem de sede centenas de vezes anualmente durante o trajeto. Aexposição trata de nos sensibilizar acerca das implicações ambientais doterritório, já que o colapso do clima ocasionado pela indústria, militarismoe habitação fez com que a água na região fosse diminuída em até 40% nosúltimos tempos. Através da performance, o trabalho toma forma de corpopolítico coletivo adentrando múltiplas comunidades, onde a conciliação éirreconciliável, e o incontornável é o espaço da cura de traumas, domilagre e da magia. Ao transformar a síntese do tema em um debate vivo,a hipótese levantada pela artista é a de que para se compreendersistematicamente o território, sim, deve haver conversas sem fatosisolados, sendo analisado o todo como um desequilíbrio cultural. Todas as9 pessoas dos depoimentos presentes na sala expositiva, em termos decontingente étnico, etário, racial, de gênero, por suas biografias, sonhos,mitologias pessoais e histórias de imigração, são justamente aquelas queformam a porcentagem de ancestralidade habitante do deserto deSonora. Como se as pessoas vistas nos vídeos da mostra fossemrepresentantes da população que tenta cruzar com extremo sacrifício ecoragem a fronteira EUA / México a todo instante, lutando entre a vida e amorte pela água na zona de guerra. Desde o início da investigação artísticade Jessica, a fronteira sempre foi por predileção seu assunto, no planofísico mesmo, como na pintura, delineada entre o topo da montanha e océu, o caminhar à margem de um rio agitado, ou traçando com o própriocorpo o limite entre terra e água, a busca frequente pela borda. “Quando oterreno é sagrado, logo existe uma imposição militar”, menciona Jessica.Os cactus, as plantas medicinais e as montanhas são tidos como seressagrados no território de Sonora. A dicotomia da situação de colonizador /colonizado tão fortemente arraigada na sociedade produziu em cadapessoa uma guerra interna gestada a partir da segregação da mestiçagemno processo histórico, um campo de batalha por excelência,subjetivamente negociado (ou não) interior e psicologicamente por cadaum de nós. A inconformidade íntima da artista, ansiando pelo diálogoentre todas as peças do tabuleiro ancestral desta zona de disputa denarrativas que divide a paisagem social de 2 mundos em desníveis tãoabissais, sinaliza o border-crossing como um ato político deconsequências culturais e espirituais imediatas. Afinal de contas, são os imigrantes que rompem muros para a construção de novas pontes universais ao atravessar as fronteiras, e assim fincar, num ponto da terraqualquer, o pau da bandeira branca. 
Nas últimas décadas, os agentes do tráfico humano produziramincontáveis incêndios florestais na fronteira do Arizona. E só para nosrelembrarmos, em junho de 2018, o presidente de extrema-direita dosEUA, Trump, assumiu os riscos de uma política de estado baseada naalienação parental de crianças e adolescentes na fronteira. E durante apandemia, foi rearticulado o Artigo 42, no qual toda pessoa imigrante eradevolvida ao lado da fronteira mexicana, tendo o direito universal depedido de asilo terminantemente negado. Esta lei expirou em maio de2023. Na atualidade, setembro de 2023, quase 9.000 pessoas tem sidopresas diariamente ao longo do curso do Rio Grande no Texas. As notíciasnão cessam, mesmo as das escolas infantis que servem de centro decataquese cristã, apagando o passado cultural indígena das crianças,apartando-as de suas famílias. Durante a administração do governoTrump, logo que assumiu, foi apresentado um perturbador projeto de leipara a construção do muro ao longo da fronteira, com o óbvio propósitode controle da imigração. A intenção tomou tamanha dimensão,evidenciando o absurdo da proposição. Contudo, seria o México a pagarpela obra, não os Estados Unidos, o que logo fez o país vizinho pronunciar-se alegando que não ia pagar em hipótese alguma pela construção domuro. Além do que, um estudo de gestores e biólogos de parques erefúgios da fauna silvestre da macroregião fronteiriça, ativistas econservacionistas, divulgaram notas contra o levantamento da muralhada vergonha, afirmando que tal ação causaria forte impacto no meioambiente, ocasionando mortandade de animais, aves, plantas, e até água,em sua luta pela sobrevivência. O paredão afetaria drasticamente toda oecossistema de vida selvagem no deserto de Sonora.
Water Walk - uma ode ao corpo imigrante é o nome da ação artísticacoletiva em que entre outros elementos, uma foto de Dora Rodríguez écarregada entre as suas próprias mãos. Ela é hoje a diretora deSalvavision, em Tucson - Arizona, uma organização não governamentalsem fins lucrativos de assistência humanitária na fronteira. Desempenhasuas ações providenciando ajuda e apoio para imigrantes que buscamasilo, mas também para aquelas pessoas que foram deportadas ou quedesejam retornar aos seus lugares de origem. Há grupos que adotaramuma abordagem prática no fornecimento de água para a redução donúmero de casos de morte por desidratação a que estão sujeitos osviajantes andarilhos do deserto de Sonora. Na imagem, Dora é vista quasemorta, tendo sido recém resgatada por um patrulheiro ao entrar semdocumentos pela fronteira Sonora - Arizona. De seu grupo de cidadãosque fugiam da sangrenta guerra civil de El Salvador (1979 - 1992), umconflito bancado pelos EUA, 13 de seus compatriotas faleceramtragicamente, inclusive 3 menores de idade. O rosto desfalecido de Doraestampado na capa de um jornal de época é um verdadeiro estandarte daesperança. A procissão empresta título a esta exposição, e conta com aparticipação e depoimentos de Dora, Arturo, Tamara, Neomi, AstralCatman, Amaya, Kate, Jeh-zuis de la Cruz e Jessica. 
Marcio Harum, Setembro 2023
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