Com curadoria de Ana Roman, a exposição reúne convidados que, ao longo deste ainda curto, mas produtivo período de existência, têm sido fundamentais em apoiar e colaborar com o Canteiro e o cenário de espaços culturais geridos por artistas, como Aline Setton, Ana Clara Muner, André Penteado, Brisa Noronha, Camila Bardehle, Carla Chaim, Carol Colichio, Celina Portella, Christian Bittencourt, Daniel Castilho, Davide Mari, Gustavo Aragoni, Guta Galli, Ivan Padovani, Leka Mendes, Mano Penalva, Marcelo Amorim, Marcelo Brasiliense, Mariana Ferrero, Mariana Guardani, Mariana Tassinari, Nino Cais, Roberta Cardoso, Saulo Szabó, Selva Carvalho, Thais Stoklos e Thiago Navas. Alguns deles passaram (tiveram ateliê ou expuseram) pelo espaço.
A mostra propõe uma reflexão sobre o conceito de "florestar" como ponto de partida. Florestar não é apenas plantar árvores: envolve um processo consciente de reconstrução e regeneração da floresta, responsável por criar ecossistemas resilientes ao tempo e às intempéries. Em "Chão Comum", destacam-se algumas das redes de interação e colaboração entre artistas e espaços independentes que criam um ambiente prolífico e colaborativo de produção de arte contemporânea em São Paulo. O conceito de "chão comum" representa um espaço partilhado por todos, onde artistas e espaços culturais se conectam, fortalecendo a rede de interações na cena artística.
Catálogo com a relação completa de obras e respectivas fichas técnicas e valores.
abertura: 12 de agosto de 2023 (sábado), 14h à 20h
(terça a sexta-feira sob agendamento, sábado, 14h-19h)
canteiro.artecontemporanea@gmail.com
visitação: até 16 de setembro de 2023
aquisição de obras: 11 983.398.332 / canteiro.artecontemporanea@gmail.com
local: Canteiro – Campo de Produção em Arte Contemporânea
rua purpurina, 434
vila madalena - são paulo 
valor: gratuito
faixa etária: livre
Chão Comum
Em Uncommoning Nature [Natureza Incomum], a filósofa Marisol de la Cadena define o conceito de anthropo-not-seen. A autora parte de uma constatação sobre a crise global que vivemos: não há uma única saída e é necessário questionar nosso papel e responsabilidade neste contexto, de modo a repensar ações e buscar caminhos para seguir adiante. Ao conceitualizar anthropo-not-seen, de la Cadena refere-se a uma característica fundamental do Antropoceno: a destruição de mundos heterogêneos que não se formam através da divisão entre humanos e não humanos; mas também ao seu processo contrário: a resistência vinda de práticas que ignoram a separação entre natureza e cultura. 
Ao ser convidada a realizar esta exposição (em um espaço chamado Canteiro e com um caráter de reunião de artistas que estiveram presentes e colaboraram para a existência deste lugar neste ainda curto – porém prolífico – tempo de existência) foi impossível não pensar nas relações entre natureza e cultura e na necessária reconfiguração das mesmas: quais seriam os anthropo-not-seen que compartilhamos em nossa existência próxima? Qual o papel do campo das artes e de espaços como este para dar a vê-los? 
Canteiros designam espaços destinados ao plantio e aos cuidados de espécies de plantas; ou ainda nomeiam espaços em estado de construção – em obras. Há, por trás desta palavra, algo de processual. O canteiro pode abrigar as mais diversas práticas de cultivo de si (e de outros). Como uma extrapolação desta ideia, propus que mirássemos, em conjunto, para a floresta e para a prática do florestar.  Florestar não é apenas plantar árvores: envolve um processo consciente de reconstrução e regeneração da floresta, responsável por criar um ecossistemas resilientes ao tempo e às intempéries. 
Para Florestar, na contemporaneidade, deve-se realizar uma profunda reconceituação da subjetividade humana – o que implica em não confundi-la com a autonomia racional e consciente ou com o individualismo neoliberal autorreferencial e autoindulgente. Em vez disso, devemos reconhecer nossa imersão histórica, material e situada, que inclui a interação com agentes não humanos como uma parte constitutiva de nossas identidades em constante evolução. O cerne desta abordagem é a compreensão de que o sujeito é uma entidade transversal, que compartilha o espaço do mundo com outras entidades e formas de vida – como animais, fungos, plantas, bactérias e, até mesmo, o próprio planeta Terra. Afinal, somos seres compostos por milhões de microrganismos simbióticos, e nossa existência é profundamente entrelaçada com a de outras espécies e com os sistemas ecológicos da Terra.  
 É importante desestabilizar o binômio natureza-cultura, gerando uma compreensão mais complexa e interconectada das dinâmicas que moldam nosso mundo. No contexto do Fonoceno, uma perspectiva proposta por Donna Haraway e Vinciane Despret, a escuta ativa das vozes ao nosso redor, sejam elas humanas, não humanas, artificiais ou orgânicas, é fundamental para uma abordagem mais empática, cuidadosa e sensível à "outridade".  Não se trata apenas de dar espaço para que os seres existam, mas sim de pensar em todo um ecossistema interconectado e equilibrado. Florestar em um canteiro seria, nesse sentido, o ato de criar espaços de vida e de equilíbrio, nos quais possam existir distintas histórias e narrativas. Florestar é criar pluriversos e habitar as contradições. 
Como uma metáfora deste posicionamento frente ao mundo, construímos esta exposição. Em "Chão Comum", destacam-se  – utilizando-me de alguma linguagem figurada e fugindo de toda perspectiva biologizante – redes de interação e colaboração entre artistas e espaços autônomos de arte contemporânea de São Paulo, e que formam partes deste ecossistema artístico. Na mostra não há uma convergência necessária entre poéticas e pesquisas: nesta rede, assim como na natureza, há uma relação de convivialidade  entre todos aqueles que dividem e compartilham os espaços.
 Em certo sentido, o convívio precisa de pouca ou nenhuma explicação ou teorização adicional, visto que é uma dimensão fundamental da humanidade. Somos, por definição, biologicamente e socialmente conviviais – mesmo que o convívio nem sempre seja tão visível devido à mediação de outras forças. Convivialidade é, porém, a prática de lembrarmos que dependemos de uma rede para existirmos e agirmos em favor do comum. 
Chão Comum aponta para um elemento fundamental das florestas e de outras estruturas organizadas em rede: o todo não se constitui como uma soma das partes. As relações transformam as partes, que se modificam no todo e nunca voltam ao seu estado inicial. Em alguns trabalhos aqui reunidos, vemos ressoar diretamente as conexões e transformações vindas da convivência e da troca cotidiana entre os artistas. A mostra serve ainda como importante registro das redes e espaços autônomos atuantes no momento contemporâneo. Ela não é apenas um agrupamento de obras de arte, mas um testemunho da capacidade de se conectar, colaborar e coexistir. Chão Comum é quase um pequeno inventário – ou começo de um mapa –  que nos aponta para redes imateriais que, à primeira vista, não aparecem. 
Ao convidar os artistas a pensar floresta, a minha boa surpresa foi que todos responderam. Nos trabalhos selecionados para a exposição é possível observar diferentes interpretações do florestar: algumas delas urbanas, por exemplo, ligadas à passagem do tempo e às memórias preservadas ou não, outras relacionadas aos corpos humanos e outros que humanos que parecem flutuar (ou mergulhar) diante de nossos olhos. Há ainda florestas abstratas, que surgem da dobra e da justaposição de formas. Apesar de terem o chão comum como pontos de partida – ou de chegada – o bonito é ver como cada uma delas mantém sua unicidade. Ao ser ocupado com floresta, o Canteiro evidencia sua característica de espaço de troca, experiência e colaboração. O Canteiro torna-se espaço de pluriverso.

Ana Roman
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